Do outro lado… (6) Hospital Sarah
Nickolas teve também um problema de calcificação no joelho: a articulação estava “empedrando” (calcificando) e comprometendo a amplitude do movimento. O ortopedista que cuidava dele indicou fazer radioterapia para impedir o avanço da coisa. Não é que deu certo! Foram umas sete viagens para Curitiba no mês de novembro/94. Lembro que numa delas aconteceu algo muito engraçado. Após a lesão, ele sentia um “arrepio” quando o intestino ia funcionar. De repente, no meio do nada, ao redor só tinha mato, pediu para parar, porque não dava pra esperar. Estávamos levando a cadeira de banho no carro, montamos na beira da estrada, isolamos com umas toalhas e o problema foi resolvido.
Mais fortalecido, apesar de continuarem as infecções hidráulicas (urinárias), em fevereiro/95 conseguimos vaga para o tratamento no Hospital Sarah em Brasília. Hoje já existem unidades em outras cidades. O hospital foi fundado na época da construção da nova capital, para tratamento e recuperação dos acidentados nas obras. Hoje eles são pólos importantes para recuperação de traumatismos
físicos e cerebrais.
Na primeira consulta o médico perguntou ao Nickolas o que ele esperava do tratamento:
– Sair andando, doutor.
– Aqui a gente não faz milagres.
Direto e objetivo. Era a realidade, apesar de ainda alimentarmos esperanças. Mas, se ele não saiu de lá andando, houve um enorme avanço: saiu independente. Em quarenta dias de tratamento médico, fisioterápico e psicológico, Nickolas aprendeu a viver praticamente sozinho. Algumas coisas necessárias para ser totalmente independente não podem ser ensinadas, cada pessoa precisa aprender por conta própria. Tentar fazer sozinho, sem ajuda, mesmo que quebre a cara, para aprender com o erro. Isso vem com o tempo. Enquanto isso, eu me conscientizei que não deveria fazer por ele o que ele mesmo podia fazer.
As pessoas que convivem com “lesados” acham que tem que fazer tudo para facilitar a vida deles. Na verdade isso é um grande erro, porque gera o comodismo, além de não desenvolverem a capacidade física que resta. Não foram poucas as vezes em que eu, bem madame, saía do carro e deixava o Nickolas se virando com a montagem da cadeira e transferência. Nas rampas mais leves eu também evitava empurrar a cadeira. Aí as pessoas passavam e se ofereciam pra ajudar. Deviam pensar que eu era uma mãe cruel. Faz parte. Aprendi a duras penas que ajuda só é boa se solicitada (às vezes ainda esqueço). Aquele tempo de convivência com outras pessoas me deu certeza de que não era a primeira e, infelizmente, não seria a última a enfrentar uma situação assim.
Alguns casos marcaram nossa permanência lá:
- uma mãe que ficou tetraplégica brincando com o filho num toboágua;
- um rapaz do norte, vítima da queda de uma árvore;
- uma jovem do sudeste que foi atingida por uma bala perdida quando estava no trampolim na piscina da escola;
um rapaz do centro-oeste atingido também por arma de fogo: este marcou especialmente porque ele não aceitava ainda sua condição. Ia para o ginásio de fisioterapia fazer os exercícios de bota, calça jeans, camisa de peão, cinto de cowboy e chapéu. Não queria nem saber de ficar numa cadeira de rodas. No final, aceitou a situação e aprendeu até a empinar.
Às vezes penso comigo: onde e como estarão essas pessoas?
Após um ano, já em fevereiro/96, voltamos ao Sarah para fazer uma nova avaliação. Na segunda vez que fomos a Brasília, levei junto minha filha Isabella e acabamos ficando num hotel. Aí o bicho pegou. O hotel não tinha absolutamente nenhuma adaptação no banheiro. O chuveiro ficava dentro de uma enorme banheira, com meio metro de muro. Pior: a cadeira não passava na porta do banheiro. Para tomar banho, eu pegava o Nickolas embaixo dos braços e a Isabella (era mirradinha, tinha só 12 anos) nos joelhos. Nós duas fazíamos a força e ele corria o risco. Cada vez que a gente conseguia, comemorava.
Hoje vejo também de forma diferente a questão da acessibilidade nas construções:
- rampas: não são boas só para cadeirantes, são ótimas pra todo mundo;
- portas: é melhor que sejam mais largas que tudo passa com maior facilidade. Odeio portas que a gente tem que passar de lado;
- banheiros: pra que colocar banheira em hotéis? Ninguém usa. É melhor fazer um box maior que dá condição pra todos.
As coisas estão melhorando. Novas exigências arquitetônicas fazem das construções e espaços públicos lugares mais acessíveis. A batalha continua…
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Nossa! Adorei esse texto! Muito legal! Continue a novelinha!!! Queremos saber tudo sobre nosso co-autor e amigo, Nickolas. Até quantos anos ele fez xixi na cama? hahaha
beijos!
Oi Bianca!
Estamos juntas nessa. Que bom que está gostando. Xixi na cama? O menino era bem controlado, imagine que não lembro dele ter molhado o colchão. Bj.
Ai, ai… com essas duas juntas, minha vida está mais transparente que mostruário de vidraçaria… 😀
Mãe, imagino como era difícil para vc me ver fazendo as coisas e ter que se segurar para não me ajudar. E quando eu ficava em pé lá no Sarah com vc atrás tentando fazer um “cordão de segurança”. 🙂 Toda hora eu dava uma bronca e dizia “mãe, deixa eu fazer sozinho, nem que demore o dia inteiro eu vou conseguir”.
Aquela “obrada” na estrada vai virar lenda… ehehehe
Bjo, Nickolas.
Olá Nicki!
Não foram tempos fáceis, mas o bom é que mesmo que a gente discutisse porque eu queria fazer e você não, ou vice-versa, no final se achava um jeito pra coisa. Dois teimosos, mas como geralmente a mãe tem razão…
Naquele lugar da estrada deve ter nascido uma árvore bem bonita, porque foi bem adubada, né? Bj.
Olá,sobre o tratamento com radioterapia no joelho calcificado,ele so impediu o avanço da calcificação ou fez o joelho voltar ao normal?
Felipe, a calcificação ficava na parte posterior dos joelhos e perda da flexão nas minhas pernas era um processo gradativo e perceptível. Inicialmente, a radioterapia acabou com o crescimento da calcificação. Depois, com a fisioterapia, consegui ganhar um pouco mais de amplitude no movimento. Na época, o médico me deu a opção de fazer uma cirurgia para raspagem do osso e remoção da calcificação, mas seria um procedimento arriscado pois haviam vasos sanguíneos no meio da parte calcificada. Como minha flexão já é maior que 90°, não chega a me atrapalhar na rotina diária, por isso optei por não fazer a cirurgia. Depois de 16 anos do tratamento com radioterapia e mantendo a fisioterapia regularmente, não percebi mais nenhum aumento da calcificação. Um abraço.
Oi Dona Nelci.
A novelinha tá boa!
Essas vontades súbitas de passar o “fax”, na hora é desesperador, (imagino o Nickolas grandão e a senhora miudinha carragando com urgência), mas depois, os episódios são engraçadíssimos.
Não dá pra ter mais de um episódio por semana não?
Fala com o Nickolas que se quando ele for Presidente dá pra me colocar de ministra da agricultura, sabe como é pedido de mãe,né?
beijos
Oi Tania! Pois é, é a vida. Quanto a ser ministra, vamos ver, porque primeiro ele tem que empregar a mãe, né? (eh,eh,eh) Ah, mas minha pasta vai ser outra, daí quem sabe dá certo. Mais que um capítulo por semana? Não dá, porque senão a história acaba muito depressa. Suspense… Bj
Olá,dona Nelci!!
Estou adorando sua história,fico muito feliz a cada capitulo, por saber que no fim sempre existe uma lição de vida dos momentos que a senhora e seu filho passaram.Sou sua fã hoje e sempre.Aguardo os próximos capitulos……bjs,Nayanne Melo.
Oi Nayanne! Acho que a parte positiva das dificuldades que enfrentamos, é justamente aprender com elas e compartilhar este aprendizado. Obrigada por ser minha fã. Estou achando ótimo isso tudo. Pode me chamar só de Nelci. Afinal, ainda não tenho 60 anos… eh,eh,eh. Bj
É isso aí, nelci, teus depoimentos transformam-se em ajuda a muitas pessoas….
admiro muito vc e o nicolas, pela garra e disposição para vencer os obstáculos….
forte abraço
Oi Rafael! A idéia é essa. Agora meu problema é ter
garra e disposição para obedecer o personal da academia ah,ah. Abraço
Olá Nickolas, vc realmente é um vencedor, q Deus te fortaleça a cada dia e q continui rompendo muitas barreiras.
Obrigado, Lídia. Cada um tem seus desafios a transpor, às vezes físicos, outras vezes psicológicos… por isso eu acho que todas as pessoas que levam a vida com caráter e honestidade são vencedoras. Um abraço.
tambem sou cadeirante fraturei a coluna dando um mergulho no mar .tinha apenas 18 anos hoje to com 20 .e tambem fui pro sara e to voltando pra exames , la agente aprende muita coisa e ve muita gente como a gente e ve que nao estamos sozinhos nessa caminhada . parabens Nikolas
sou cadeirante, tenho 28 anos, tambem estive no sarah recentemente, é sempre bom ver como enfrentar dificuldades com otimismo e coragem pode fazer a diferença.É como enfrentar uma tempestade se você não pode muda la ajuste suas circuntancias naquilo que pode pra passar por ela e sair mais forte do que entrou.
Oi Cassiano! O primeiro grande passo da recuperação é, sem dúvida, aceitar essa nova condição. A partir de então, no dia a dia, a gente vai descobrindo maneiras de viver cada vez melhores. E nos tornamos pessoas realmente especiais.
Olá Raquel! Muito bom ver que meu depoimento ainda está sendo lido. A vida, para todos, tem que ser uma eterna adaptação: violência, stress, dificuldades mil. Então, o melhor é que ela seja feita com coragem e otimismo. Bj